Importante encontro realizado na sexta-feira (25) na Câmara de vereadores de Santo Ângelo com pesquisadores, presidente da ACIRGS e etnias ciganas da cidade, preparou a comunidade cigana para o Censo 2030.
Conforme o IBGE, o Brasil tem cerca de 800 mil ciganos, sendo os povos Rom, Sinti e Calon os três maiores grupos. No entanto, os dados sobre a população cigana não são atualizados desde 2014, não aparecendo nas pesquisas municipais do IBGE. Para que os dados sejam mais precisos e valorizem a cultura de cada etnia, é importante que sejam observadas as especificidades de cada uma. Por exemplo, há ciganos que não vivem mais em acampamentos, há os que ainda vivem em preferem os acampamentos, no entanto, o Brasil não oferece políticas públicas eficazes por não saber de suas rotas, necessidades, dificuldades de acesso à saúde e educação, além do georreferenciamento de supostos lugares que costumam ou costumavam acampar. Neste sentido o Ministério do Desenvolvimento e da Assistência Social (MDS) e o Movimento de Integração e Reinclusão Social (MIR) estão mapeando e monitorando famílias ciganas no país, incluindo o Rio Grande do Sul.
A reunião promovida pelo Mandado Popular do Professor Corazza (PT) e ACIRGS, Associação dos Ciganos Itinerantes do Rio Grande do Sul, através da sua presidente Rosecler Winter, além de propiciar este encontro com pesquisadores, teve como destaque dar visibilidade aos povos ciganos, as famílias que residem na cidade.
A pesquisadora Carolina Pereira de Sousa, da Universidade Federal de Santa Catarina – UFSC, que destacou a importância do encontro esclarecendo os objetivos do Mapeamento dos povos ciganos no país. Conforme a pesquisadora o Mapeamento tem como objetivo saber das demandas dos povos, suas trajetórias e dificuldades para se poder construir políticas públicas que atendam as comunidades ciganas no país. Segundo Carolina, desde 2014, os povos ciganos não aparecem nas pesquisas municipais do IBGE.
O conselheiro da Associação dos Ciganos Itinerantes do Rio Grande do Sul (ACIRGS), em Santo Ângelo, Telismar Lemos Junior, ativista dos Direitos Humanos, esclarece que a ideia de incluir a cidade entre os primeiros roteiros da região, surge pela importância que tem as famílias que se estabeleceram na Capital das Missões desde 1914. Segundo o ativista, são famílias que contribuíram para o progresso da cidade, queira nos negócios ou sua cultura, além disso, os povos ciganos são mantenedores culturais natos, ao chegar em um local, entram em contato com a cultura do país e colocam o seu “tempero”, mantendo viva a diversidade artística e os intercâmbios culturais.
Lucas Anhaia, um dos pesquisadores participantes do projeto ligado à Universidade Federal de Santa Catarina, destaca que o objetivo da aplicação do instrumento de pesquisa é justamente quantificar o número de famílias, número de membros por família, acesso aos direitos básicos como moradia, trabalho, educação, saúde e território. “Este é um momento importante para as famílias ciganas e nós pesquisadores, uma vez que os ciganos conseguiram nesta oportunidade conhecer o projeto encabeçado pelo Ministério da Igualdade Racial de Mapeamento dos Povos Ciganos para a construção de uma estimativa para o IBGE, em 2030, quando realizará o censo”, sublinhou ele. Lucas Anhaia, que também é historiador e professor de história em formação pela UFSC, avalia que as famílias puderam no encontro ter um melhor entendimento sobre esta caminhada do Mapeamento e, ao mesmo tempo pensar que forma podem contribuir. “Saímos felizes deste encontro e com um ar de missão cumprida”, declarou.
Carolina Pereira de Sousa, é pedagoga de formação, também da UFSC e pesquisadora do mapeamento na região Sul do país destaca que, apesar de alguns depoimentos de desesperança com relação ao Estado, o saldo foi positivo uma vez que pode-se conhecer mais sobre as famílias que residem em Santo Ângelo. “Não tenho dúvidas que houve um grande avanço na comunicação e no contato com as famílias ciganas aqui”, disse ela se referindo as famílias presentes no evento. Carolina revela que houve “uma certa dificuldade de interlocução”, porém, após a aplicação do instrumento de pesquisa, os dados a serem coletados fluiriam de maneira tranquila. Uma vez catalogados os dados, ela destaca que, após conversar individualmente com seus pesquisados, foi possível saber mais sobre as dificuldades que enfrentam seus familiares de outros locais, de outras cidades e sobre a realidade de itinerância, de trabalho e, inclusive, sua não vulnerabilidade sobre outras etnias.
Telismar Lemos, aponta ainda a importância do resgate da cultura religiosa e espiritual, suas tradições e danças típicas, além do compromisso de recuperar os casos de “milagres” da cigana da família Jorge sepultada no cemitério Municipal que no passado já foi palco de peregrinações.
Os povos ciganos no Brasil são invisíveis para a maioria da população, apesar de habitarem o país há mais de 450 anos. Tal invisibilidade dos ciganos se deve a diversos fatores, entre eles, e talvez o principal, é a falta de dados precisos sobre a população cigana. Até o momento só há dados imprecisos sobre os ciganos no Brasil e o IBGE não tem estatísticas sobre a população cigana no país desde 2014, além disso, os hábitos nômades dificultam o registro e a organização dos ciganos. Telismar destaca ainda que o Mapeamento dos povos ciganos poderá suprir a desfasagem de dados sobre a população cigana, fatos que prejudica a aplicação de políticas públicas voltadas a esses povos.
Na abertura dos trabalhos, Corazza lembrou da Lei 4.753, de sua autoria, sancionada pelo prefeito Jacques Barbosa, em 26 setembro passado, onde incluí no calendário oficial do Município a data comemorativa dos povos ciganos no dia 24 de maio de cada ano. Conforme o vereador, “os povos ciganos ainda estão na invisibilidade, apesar estarem há mais de 70 anos no município”, lembrou ele.
Não se pode esquecer que, durante a pandemia, em algumas cidades do RS, houve expulsões de famílias ciganas. Geralmente são expulsos para manter a invisibilidade e silenciar a população. Em sua maioria os ciganos são discriminados por motivos étnicos e por serem pobres. Injustamente os ciganos são vítimas de aporofobia, ou seja, discriminação contra a pobreza e os pobres porque sociedade, de modo geral, não conhece a história e os hábitos dos ciganos. Entre tantos desafios, os ciganos enfrentam acesso desigual a serviços básicos, estigmatização social, violência policial. Durante o encontro o vereador informou ainda que, após formar uma comissão com as famílias ciganas, realizará uma audiência com o Prefeito para solicitar uma área junto da Fenamilho para a criação da casa Etnia Cigana.
O Dia do Cigano foi instituído no Brasil pelo presidente Luís Inácio Lula da Silva em 2006 e comemorado pela primeira vez no dia 24 de maio de 2007, quando o governo brasileiro, através da então Secretaria Especial de Políticas de Promoção da Igualdade Racial (Seppir), lançou um carimbo e um selo pela Empresa Brasileira dos Correios e Telégrafos em homenagem à contribuição que os ciganos deram como facilitadores da comunicação. Naquele ano o Governo Federal anunciou a publicação da cartilha sobre direitos ciganos, também através da Seppir.
Corazza destacou ainda que segue com a proposta de criação de um departamento dos povos tradicionais e originários. “Ainda não temos uma estrutura específica para atender estas comunidades que são constituídas pelos quilombolas, ciganos e índios”, declarou ele. Os povos originários são os primeiros habitantes de uma região, enquanto os povos e comunidades tradicionais não necessariamente possuem essa ancestralidade: povos originários são os povos que habitavam uma região antes da chegada dos europeus e da colonização. No Brasil, os povos originários são os indígenas. Já os Povos e comunidades tradicionais são grupos que se formaram e desenvolveram suas próprias culturas, identidades e tradições, e que não necessariamente habitavam o território brasileiro antes da chegada dos portugueses. Os povos e comunidades tradicionais se caracterizam por ter uma forte conexão com a natureza, a cultura e à terra do país. Possuir formas próprias de organização social. Ocupar e usar territórios e recursos naturais para sua reprodução cultural, social, religiosa, ancestral e econômica.
Rosecler Winter, presidente da Associação dos Ciganos Itinerantes do RGS, resumiu o encontro com êxito e declarou estar convicta que o encontro foi um grande passo para dar seguimento aos mapeamentos dos povos ciganos, não só nas Missões, mas também nas regiões de fronteira internacional. Rose Winter, como é conhecida, fez uma palestra para alunos do magistério, no Instituto Estadual de Educação Odão Felippe Pippi, no dia anterior, quando estudantes do noturno puderam tirar dúvidas e conhecer mais sobre os hábitos e cultura cigana. “Sem dúvida uma semente que poderá dar bons frutos e, quem sabe, possamos, em sala de aula, quebrar os preconceitos contra os ciganos”, declarou.
No encontro Rose destacou que nem todas as comunidades ciganas têm o mesmo privilegio que a maioria que atualmente vive em Santo Ângelo. Neste caso, muitas famílias na capital das Missões são negociantes, no entanto, há regiões no Estado em que as famílias, além de sofrerem as duras penas da discriminação e o preconceito, ainda enfrentam a fome e a miséria.
A dirigente fala com autoridade sobre o assunto, pois identidade dos ciganos como um grupo distinto é frequentemente desconhecida ou mal interpretada. Mais grave ainda é que Estado não oferece políticas públicas oficiais ou programas que possam, além de reconhecer sua existência, dedicar, promover e proteger os direitos dos ciganos. Rose acompanha as comunidades ciganas há tempos, inclusive prestando auxílio, e sabe de suas necessidades. O encontro serviu como base para os pesquisadores fazerem o georreferenciamento, técnica que permite localizar objetos, áreas ou fenômenos na superfície terrestre. Além disso, conforme o professor
Corazza, é um marco para impulsionar as lutas pelos direitos das comunidades ciganas, não só no município, mas também no Estado. Para o Conselheiro da ACIRGS, Telismar Lemos, a audiência foi um ariete para que as comunidades ciganas de Santo Ângelo possam resgatar sua cultura, suas danças, culinária, crenças religiosas e, em breve, seu espaço por direito no Parque de Exposição. É com base nos dados coletados na cidade que o Governo Federal, através do Ministério da Igualdade Racial (MIR) poderá desenvolver projetos para os povos ciganos, nomeadamente o Plano Nacional de Políticas para Povos Ciganos.
O plano foi lançado em agosto de 2024, com o objetivo de promover medidas para garantir os direitos dos povos ciganos com a participação de 10 ministérios e tem como eixos a cidadania e os direitos sociais, e a inclusão produtiva, econômica e cultural. O plano tem como objetivos combater o preconceito e a discriminação, ampliar o acesso aos serviços públicos e direitos sociais, e valorizar a cultura. O plano inclui ainda ações como mapear e visibilizar territórios, rotas e famílias, promover uma campanha de valorização da história e cultura, realizar prêmios literários e formar gestores e servidores públicos. O MIR também já se envolveu em ações emergenciais no Rio Grande do Sul, onde solicitou ao Ministério do Desenvolvimento Social a priorização de famílias ciganas, quilombolas e de terreiros na distribuição de alimentos.