Santo Ângelo celebra o primeiro Dia Municipal do Povo Cigano: Visibilidade e direitos em debate

Por Telismar Lemos Junior Especial para O Mensageiro A celebração do Dia Municipal do Povo Cigano em Santo Ângelo representa um passo importante na direção da visibilidade e...

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Por Telismar Lemos Junior
Especial para O Mensageiro

A celebração do Dia Municipal do Povo Cigano em Santo Ângelo representa um passo importante na direção da visibilidade e do reconhecimento. Mas, para além das datas simbólicas, o desafio maior está na efetivação de políticas públicas que respeitem a diversidade, combatam o preconceito e assegurem os direitos fundamentais de um povo que, apesar de secular presença no país, continua sendo tratado como invisível.
No último sábado, dia 24, o Brasil celebra o Dia Nacional do Povo Cigano, data instituída por decreto presidencial em 2006 para reconhecer a importância histórica e cultural dessa população no país. Em 2024, Santo Ângelo (RS) deu um passo significativo rumo à valorização da diversidade cultural ao instituir, por meio da Lei Municipal 4.753, o Dia Municipal do Povo Cigano, também celebrado na mesma data. A lei, proposta pelo então vereador Professor Corazza e sancionada em setembro de 2023 pelo ex-prefeito Jacques Barbosa, insere a data no calendário oficial do município.
A iniciativa é mais do que simbólica. Ela representa um convite à reflexão sobre a trajetória de invisibilidade enfrentada pelos ciganos e aponta para a urgência de políticas públicas efetivas. “Os povos ciganos estão há mais de 70 anos em Santo Ângelo, mas ainda vivem à margem. É preciso combater a discriminação e promover sua inclusão plena”, defendeu Corazza à época da aprovação da lei. Corazza lembrou ainda nesta entrevista que Santo Ângelo “não tem uma estrutura específica para atender estas comunidades que são constituídas, não só por ciganos, mas também pelos quilombolas e índios”. Todavia, atualmente a ACIRGS – Associação dos Ciganos Itinerantes do RGS, através de sua presidente Rosecler Winter, auxilia na construção de ferramentas para que os povos ciganos possam ter um espaço no Parque de Exposições e local para a retomada de suas tradições e folclore.
Iniciativas Locais: Santo Ângelo no Caminho do Reconhecimento
Em Santo Ângelo, a comunidade cigana começa a se organizar em torno da criação de um Centro de Tradições e Cultura Cigana, que funcionaria como ponto de referência para ações culturais, educativas e de fortalecimento comunitário, com o apoio da ACIRGS – Associação dos Ciganos Itinerantes do RS. A proposta é reunir as famílias, resgatar tradições e oferecer ao público um espaço de convivência e aprendizagem intercultural.
Presença Cigana em Santo Ângelo e no RS
Em Santo Ângelo, vivem atualmente mais de dez famílias ciganas, em sua maioria comerciantes itinerantes. O município abriga principalmente famílias da etnia Calon, uma das três maiores etnias ciganas no Brasil, ao lado dos Roma e dos Sinti. No Rio Grande do Sul, além desses três grupos, há também a presença dos Louvara, com raízes profundas e tradições próprias.
Segundo levantamento do Ministério dos Direitos Humanos, o estado do Rio Grande do Sul contabiliza cerca de 5 mil ciganos, distribuídos em mais de 30 municípios. Em nível nacional, a estimativa é de que a população cigana varie entre 800 mil e 1 milhão de pessoas — embora a ausência de dados precisos seja reflexo da falta de políticas de reconhecimento e de inclusão.
Genocídio Invisibilizado: o Porajmos
O preconceito contra os povos ciganos tem raízes profundas e históricas. Entre 1933 e 1945, durante o regime nazista, cerca de 250 mil a 500 mil ciganos, sobretudo do grupo Roma, foram exterminados em campos de concentração. Esse genocídio — conhecido como Porajmos, que em romani significa “devorar” — foi ignorado por décadas na historiografia oficial do Holocausto, sendo lembrado e reivindicado sobretudo por ativistas e intelectuais ciganos.
Desafios Atuais: Preconceito e Ausência de Políticas Públicas
A comunidade cigana brasileira enfrenta desafios persistentes: exclusão social, dificuldade de acesso a saúde, educação e moradia, além de preconceito institucional. Em muitos municípios, a cultura cigana ainda é alvo de estigmas e desconhecimento.
No campo da saúde, por exemplo, faltam profissionais capacitados para atender comunidades com tradições e práticas específicas. Em Santo Ângelo, embora a existência da UPA facilite o acesso emergencial, há relatos de barreiras culturais que comprometem o atendimento adequado.
Na educação, o histórico de nomadismo de parte da população cigana ainda não é contemplado por políticas públicas consistentes. A evasão escolar é um problema comum, especialmente em famílias que vivem em acampamentos ou se deslocam com frequência. Ainda assim, há avanços. Muitos jovens ciganos já completaram seus estudos em escolas públicas, contribuindo para o rompimento de estigmas e a valorização da educação formal.
Em relação à moradia, muitas famílias já optaram por residências fixas e buscam estabilidade, mas outras ainda enfrentam precariedade e insegurança jurídica sobre suas terras.
Caminhos para a Inclusão
Em resposta a esses desafios, o Brasil conta com o Estatuto dos Povos Ciganos, aprovado em 2015, que prevê diretrizes para garantir os direitos dessa população. Apesar disso, a implementação prática da lei ainda é incipiente.
O reconhecimento dos ciganos como Povos e Comunidades Tradicionais pelo Decreto Federal nº 6.040/2007 também representou um marco. No entanto, sem ações afirmativas e recursos específicos, a proteção legal se limita ao papel.
Diversidade e Representatividade
Importante lembrar que o termo “cigano”, embora amplamente usado, pode carregar conotações pejorativas e não é aceito por todas as comunidades. Na Europa, o termo “Roma” é mais utilizado em contextos institucionais e movimentos antirracistas, por ser considerado mais preciso e menos estigmatizante.
No Brasil, ainda há confusão terminológica e pouca compreensão da diversidade interna da população cigana. Por isso, promover o conhecimento sobre as diferentes etnias — Calon, Rom e Sinti — é essencial para combater estereótipos e garantir respeito à identidade de cada grupo.
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Fontes:
• Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania
• IBGE (último levantamento parcial de comunidades tradicionais)
• Instituto Cigano do Brasil (ICB)
• Relatório da ONU sobre os Direitos dos Ciganos no Brasil (2023)
• Arquivo histórico de Santo Ângelo
• Entrevistas e registros da Câmara de Vereadores de Santo Ângelo

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