Semana Cultural do município está em sua 29ª edição e foi criada para recordar a história de fundação da redução jesuítica de Santo Ângelo Custódio, que remete a data de 8 de agosto de 1706. Quando o padre Jesuíta e pertencente a Companhia de Jesus chamado Diogo Haze, escolheu este lugar para fundar uma redução de povos indígenas.
As ‘Reduções Jesuíticas seguiam um modelo padronizado que marcou um ciclo de prosperidade econômica e harmonia social implantada nas chamadas Missões Jesuíticas. A arquitetura destes aldeamentos era caracterizada por uma igreja central, praça de convivência e demais edificações que mantinham um número de, no máximo 7000 mil indígenas, e por este motivo eram chamadas de reduções. Estes povoados trabalhavam em atividades econômicas vocacionadas e interligadas com outras reduções. Só no lado oriental do Rio Uruguai eram sete, mas ao todo, com as do outro lado do rio, totalizavam 30 reduções. No caso da redução de Santo Ângelo Custódio o foco estava na produção de erva mate e algodão, além da subsistência do seu povo.
A harmonia deste modelo foi quebrada pela guerra guaranítica, desencadeada pelo tratado de Madrid. Pois definiu que o território onde estavam os sete povos orientais das Missões pertenceria à Portugal. Como os padres eram espanhóis, os povos nativos, mesmo com suas instalações edificadas, foram expulsos daqui. Talvez por este motivo, a cultura forjada neste período histórico, não foi perpetuada e tende a ser desvalorizada ainda na atualidade.
Segundo a historiadora Nadir Damiani os indígenas que acompanhavam o Padre Diogo Haze na época da fundação e escolha do lugar, onde hoje é Santo Ângelo, vieram da redução de Concepción, formada principalmente por guaranis, mas também um grupo de viúvas charruas.
Semana cultural em 2021
Nesta 29ª edição da semana cultural, o patrono, José Roberto Oliveira, propôs a reflexão sobre os laços culturais que unem o povo das reduções a atual população de Santo Ângelo. Ele afirma que “Somos descendentes dos Missioneiros” e a semana cultural de Santo Ângelo propõe a reflexão sobre as origens étnicas e culturais da população.
Pois os indígenas, embora deslocados das reduções e perseguidos nas guerras, se mantiveram em seus territórios e foram também protagonistas na miscigenação racial, influenciaram na culinária, jeito de cuidar do gado, de cultivo da terra, na música e principalmente no modo de se relacionar com o semelhante e com a natureza.
Diante deste desafio, separamos fragmentos de textos produzidos por pensadores brasileiros sobre o legado indígena para a atual e futura geração.
Por – Paulo José Bender Leal
“O Mbyá-guarani é tesouro cultural que habita as Missões há milhares de anos. Como eles não foram entendidos, ainda não foram descobertos. O pior é que provavelmente jamais sejam efetivamente conhecidos, pois estão em um acelerado processo de aculturamento que os fará em breve, iguais a nós. E quando isso ocorrer, esse tesouro se perderá para sempre”
Por – Caetano Veloso
No mesmo sentido Caetano Veloso cunha a frase na música ‘Um Índio’ “…surpreenderá a todos não por ser exótico mas pelo fato de poder ter sempre estado oculto, quando terá sido o óbvio”. O que causa a surpresa não é a estranheza do diferente, do estereótipo, e, sim, não ter enxergado antes. O índio por sua própria fala.”
Trechos do texto de Darcy Ribeiro extraído do ‘Catálogo descritivo de imagens’ editado pela PUC/RS no ano de 2008 – ‘Séculos Indígenas no Brasil’
“Desta sementeira humana nasceu o povo-nação de cento e cinquenta milhões de pessoas que somos hoje. A parcela maior da latinidade. Uma neo-romanidade tardia, lavada em sangue, negros e índios, inspirada pela sabedoria dos povos da floresta. Cultural e linguisticamente unificada. Certa e segura de sua identidade nacional, como gente que já não sendo índia, nem afro, nem europeia, é uma coisa nova nesse mundo. Toda ela fundada na mais vil pobreza. Exceto uma fina nata dominadora, que sabe tirar dos estrumes desta pobreza uma riqueza ostentatória e uma erudição alienada.
O Brasil é a resultante fusão desses milhões de gentes desencontradas. Fusão genésica, uma vez que mestiçagem, aqui, sempre se fez sem freios e foi realizada com alegria, sem nenhuma noção de que fosse crime ou pecado. Fusão também espiritual pela confluência que aqui se deu dos patrimônios culturais de nossas diversas matrizes. Tudo isso nos plasmou como um povo mestiço na carne e na alma. Como tal herdeiro de todas as taras e talentos da humanidade. Mas só muito parcialmente herdeiro dos saberes e sagacidade daqueles que empreenderam o seu fazimento.
…O Brasil nunca existiu para si próprio, na busca da prosperidade e felicidade de seu povo. Existiu e existe para servir, servil e explorado, ao mercado mundial, que ajudou a viabilizar, dentro deste mercado internacional, sua economia da pobreza, geradora de prosperidades patronais restritas.”
Darcy Ribeiro