Deputados aprovam Lei de incentivo ao financiamento de produtos culturais missioneiros

Ainda depende da sanção do Governador do Estado, mas o projeto de lei 517/2019 foi exaltado por grupos ligados ao setor do turismo, história e arqueologia, como o...

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Ainda depende da sanção do Governador do Estado, mas o projeto de lei 517/2019 foi exaltado por grupos ligados ao setor do turismo, história e arqueologia, como o mais importante instrumento político e jurídico, dos últimos anos, no sentido de alavancar projetos regionais e também para valorização do resgate histórico do passado jesuítico/guarani

Foto - Marcos Demeneghi - Vestígios da redução de São João Batista, localizados no interior de Entre-Ijuís
Foto – Marcos Demeneghi – Vestígios da redução de São João Batista, localizados no interior de Entre-Ijuís

Lei que cria uma linha de financiamento exclusiva para produtos culturais missioneiros denominada Pró-Missões é aprovada na Assembleia Legislativa.

Um dos grandes entusiastas deste projeto é Álvaro Theisen, ele explica que diferente de outros instrumentos do gênero, o Pró-Missões, quando regulamentado, permitirá que empresas locais usem os recursos devidos do ICMS em projetos culturais, sem a atual contrapartida de 5% e ainda uma comissão de lideranças locais faria a gestão orçamentária aprovando os projetos prioritários.

“Um dos grandes diferenciais é que estamos abrindo uma linha exclusiva de financiamento para produtos jesuítico/guarani, a lei deve permitir a captação de 20 a 30 milhões anualmente. Acredito que seja um marco referencial no quesito de financiamento deste gênero, porque, nunca foi disponibilizada uma linha de crédito tão ampla quanto essa para as Missões”, afirmou Álvaro Theisen. Além disso, destaca que uma comissão formada por lideranças regionais faria a gestão destes recursos, sendo mais um diferencial da nova lei.

Para o arqueólogo, professor e historiador Artur Barcelos, a aprovação da lei é um fato inédito no Rio Grande do Sul e retoma o debate sobre as origens históricas do povo gaúcho. Barcelos avalia que nas décadas de 30 e 40 do século XX, eram muito acalorados os debates sobre o tema. Pois uma ala de historiadores gaúchos identifica a data de nascimento do estado ano de 1737, quando fundada a cidade de Rio Grande, e deste modo, praticamente desconsideravam as influências espanholas e o legado dos povos missioneiros na gênese cultural do Estado do Rio Grande do Sul, tendo em vista que antes disso, em 1624, iniciou o período de fundação dos chamados Sete Povos das Missões.

“Passado quase um século daquele debate, temos agora a aprovação de um projeto que visa valorizar um tema da História do Rio Grande do Sul. E justamente este tema, que esteve envolvido em polêmicas e, a julgar por alguns autores, sequer faria parte de nossas origens.” Citou Arthur Barcelos em suas redes sociais. Este comentário veio seguido de uma aula de história que vale a pena ler. Confira:

Debate sobre as origens do Povo Gaúcho

Artur Henrique Franco Barcelos

O debate sobre as “origens históricas do Rio Grande do Sul” parece já superado. Mas houve um tempo em que os ânimos andavam acalorados. A grande Ieda Gutfriend sintetizou a rusga em seu “A Historiografia Rio-grandense. (Editora: UFRGS Universidade Federal do Rio Grande do Sul Ano: 1992.) Nas décadas de 30 e 40 do século XX houve uma disputa cujo tema central era a origem do Rio Grande do Sul. Como ocupação tardia da colonização portuguesa, a atual região Sul permaneceu até ao menos a metade do século XVIII como fazendo parte das porções espanholas na América, vinculada às gobernaciones de Buenos Aires e Paraguay.

Em 1624 o jesuíta Roque González de Santa Cruz cruzou o rio Uruguai, vindo da margem ocidental, atual Argentina. Entrava no que os Guarani denominavam Tape. Até 1640 os jesuítas fundaram 18 núcleos para reunir e evangelizar os Guarani, chamados Reduções ou Missões. Os Bandeirantes em seu avanço em busca de mão-de-obra escrava atacaram a região e os indígenas e padres se refugiaram para além do rio Uruguai. Mas não abandonaram as terras, que continuaram usando como campos de criação de gado alçado e plantios variados. Em 1680 os portugueses fundaram a Colônia do Santíssimo Sacramento, na margem Norte do Rio da Prata, em frente a Buenos Aires. As terras das antigas reduções do Tape poderiam cair em mãos portuguesas. Assim, os jesuítas incentivam o retorno, fundando mais sete reduções além das 23 que já existiam. Surgiram assim São Borja, São Nicolau, São Luiz Gonzaga, São Miguel, São Lourenço, São João Batista e Santo Ângelo Custódio. Estas terras eram território espanhol e começou ali uma disputa que anos depois iria parar nas páginas dos livros dos escritores gaúchos.

Fez parte desta disputa a fundação do Forte Jesus Maria José, na desembocadura do canal da Lagoa dos Patos ao oceano Atlântico, em 1737. Este forte deu origem a cidade de Rio Grande. Após os Tratados de Limites de Madrid (1750) e Santo Ildefonso (1777), e a tomada pelos luso-brasileiros, em 1801, dos sete povoados que haviam sido missões, o que se tornaria o Rio Grande do Sul português e brasileiro teve suas fronteiras mais ou menos consolidadas.

Contudo, na primeira metade do século XX surgiu a discussão de qual seria a relação daquelas antigas missões de jesuítas com índios guaranis e as “origens da história do povo gaúcho”. De um lado, Moysés Vellinho, Guilermino César e, mais tarde, Nico Fagundes, trataram de negar esta relação, alegando um vínculo com Portugal desde sempre. E tinham como data de nascimento do Estado ano de 1737, a fundação de Rio Grande. De outro lado, Manoelito de Ornellas e Alfredo Varela, que defendiam a influência espanhola e platina em nossas origens através das missões, que cristianizaram os índios, e do surgimento de um mesmo tipo social nos Pampas, o gaúcho, brasileiro, argentino e uruguaio. Seus livros e artigos serviram para fomentar o debate e defender seus pontos de vista. Por muito tempo a vertente lusitana (Vellinho, César, etc.) teve maior influência, inclusive no ensino da história regional nas escolas.

Sobre a LEI 517/2019

O projeto de lei 517/2019 é de autoria do deputado Capitão Macedo (PL) e foi aprovado na sessão plenária do dia 19 de abril. Institui o Programa Estadual de Apoio e Fomento às Atividades de Valorização e Resgate Histórico das Missões Jesuítico-Guarani (PRÓ-MISSÕES).
O Pró-Missões visa estabelecer uma política pública efetiva de valorização da cultura missioneira, incentivando e incrementando o turismo em nas regiões que tenham vínculo ou vestígios da cultura jesuítica-guarani.
Os recursos financeiros para manutenção do Programa terão como fonte o ICMS devido pelos contribuintes, que serão repassados diretamente para os projetos aprovados no âmbito da futura Lei.
Serão apreciados projetos relacionados com a temática das Missões Jesuíticas-Guarani em áreas como dança, teatro, música, artesanato, literatura, audiovisual, artes visuais, pesquisa e documentação relativa a patrimônio cultural imaterial, preservação e restauração de bens móveis e imóveis integrantes do patrimônio cultural, turismo, entre outras.
O projeto de lei segue agora para sanção e regulamentação, sob a responsabilidade do Governador do Estado.

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