Benoni Bottega e a ousadia dos seus dizeres

Desde o ano de 1978 as madrugadas de Santo Ângelo não foram mais as mesmas, pois Benoni Bottega iniciou o programa Alvorada Gaúcha. A comunicação popular, o som...

3734 0

As 4 horas da manhã ecoava um cincerro rasgando o silêncio da madrugada e logo em seguida os bordões de Benoni Bottega iniciavam as transmissões da rádio Sepé Tiaraju. O sol ainda não havia despontado mas era hora do programa Alvorada Gaúcha, criação desse ícone da comunicação local. Músico, locutor, marceneiro, posteiro de danças folclóricas, mas, acima de tudo, um apreciador das tradições e costumes mais simples do povo gaúcho, para o qual, direcionava a sua fala todos os dias.

Benoni Bottega - Foto: Marcos Demeneghi
Benoni Bottega – Foto: Marcos Demeneghi

Desde o ano de 1978 as madrugadas de Santo Ângelo nunca mais foram as mesmas. Pois Benoni Bottega emprestou o seu talento e se manteve durante 37 anos à frente do programa radiofônico Alvorada Gaúcha, talvez, um dos mais ouvidos na história da comunicação local. Trabalhou ainda mais quatro anos em outros programas até deixar o microfone no ano de 2019.

O Alvorada Gaúcha criado por Benone Botega adotava uma linguagem popular, usava e abusava dos personagens, efeitos sonoros e foi uma escola para muitos comunicadores. Os principais personagens eram a Jacobina, o Juquinha, o Chorão, entre outros. Este comunicador ímpar também adotava dizeres que caracterizavam seu programa que iniciava antes do nascer do sol.

‘O LOUCO DA MADRUGADA’

Benoni Bottega chegou a ser chamado “louco da madrugada” e a Alvorada Gaúcha de “O Programa do Cincerro e da Bicharada” (pelos efeitos sonoros que usava). O bordão “Acorda jacobina!” está guardado na memória de muitos moradores locais. “Vamos levanta indiada!” “Vamos tira o pé cheio de dedo debaixo da coberta… Cama não é moradia! Cama foi feita pra posa e não foi feita pra morar!”

As Buzinas, os alarmes, as sirenes e um cincerro levavam teatralidade e musicalidade para as famílias que acordavam cedo. Enquanto os moradores separavam a lenha e o cavaco para acender o fogo e ferver o leite nas zonas rurais, ou, se preparavam para ir até o trabalho e escola na zona urbana, os ouvidos ficavam atentos aos dizeres e recados de Benoni Bottega, até onde as ondas da Sepé alcançavam.

“Eu era um radialista assim, ficava feliz quando descobria uma frase de efeito nova e ia para o estúdio cheio de papéis, podia não usar tudo em um dia, mas guardava para o dia seguinte… Estas frases não eram piadas, era dizeres que aprendia com a cultura popular”.

“Vamos levanta indiada! Porque a vida é dura pra quem é mole! Passarinho que não deve nada pra ninguém já tá voando, e eu conheço uns por aí, que devem pra cada santo uma vela e pra Deus um pacote, e, ainda, tão dormindo”.

“Cheguei na Sepé com um programa montado pra botar de madrugada” Apresentei uma amostra do programa que eu queria fazer e todos estranharam, pois ninguém queria trabalhar tão cedo. Naquele tempo o locutor tinha que apresentar o programa, já com os efeitos, para ser contratado”, disse Bottega ao contar de sua experiência de 41 anos e meio, só na rádio Sepé Tiaraju de Santo Ângelo, pois depois do Alvorada Gaúcha também trabalhou em programas que foram veiculados no final da tarde.

Mas a criatividade e ousadia deste ícone da comunicação local foi formada bem antes. Aos treze anos de idade já tinha uma carteira de músico profissional e depois de servir ao exército viajou pelo sul do país com o Circo do Bituca, onde tocava músicas do folclore mexicano e espanhol ao acompanhar calouros, bailarinos e malabaristas no circo e no teatro de picadeiro.

Na época de ouro do rádio, quando os músicos participavam ao vivo dos programas, lá estava Benoni. Em Porto Alegre tocou na Rádio Gaúcha, na Farroupilha, Itaí, no programa apresentado por Dimas Costa, onde também conheceu Paixão Côrtes e Barbosa Lessa e formou-se em posteiro de danças.

Quando chegou na cidade de Carazinho o circo foi embora e ele ficou. Conheceu Evanir Terezinha Bottega com quem foi casado até ficar viúvo. Nesta época, além de músico foi marceneiro. Na segunda metade da década de 60 foi embora para a cidade de Guarapuava no Paraná, onde foi “posteiro no CTG Fogo de Chão” (uma espécie de professor de danças folclóricas).

Foi também no Paraná que conheceu Ivan Taborda, com quem formou “Os Maragatos”. Grupo musical que animava bailes e com o qual, Bottega gravou 6 (seis) LPs pela gravadora Chantecler. Nesta mesma época apresentava um programa regionalista na rádio Difusora de Guarapuava.

De 1979 à 1981 foi apresentador do programa: ‘Gaúcho Grande do Sul’ veiculado na RBS TV de Cruz Alta”. Antes dele, Cenair Maicá apresentou este mesmo programa. Benoni lembra ainda, que depois desta temporada, estes tipos de programas regionais feitos nas sucursais deixaram de ser apresentados e entrou no ar o Galpão Crioulo, direto de Porto Alegre.

“Sempre trabalhei com música gaúcha e buscava o conhecimento da história folclórica do Rio Grande do Sul. Os dizeres que usei na madrugada aprendi com o povo do Rio Grande do Sul”, esclareceu o comunicador. Ele também afirma que não eram piadas, mas sim, a sabedoria popular que estava no cotidiano das pessoas. Bottega ainda guarda centenas de frases que usava em seus programas, só parou de trabalhar no rádio porque está, gradativamente, perdendo a audição. Mas revela que sua mente não para de pensar em novos programas e falas novas para entreter a audiência.

IMG_20210610_150044 (Copy)

Neste artigo

Participe da conversa