Vamos hoje lembrar que podemos conhecer arcaísmos léxicos, porém não os usar na escrita nem na fala. A língua é uma convenção social e muda com a passagem do tempo. Assim como a moda muda, a língua muda.
Ninguém mais hoje se encoraja adentrar um clube e nele participar de um baile ou de uma festa usando chapéu com plumas, sapatos com grandes fivelas e uma espada na cintura como usaria, por exemplo, num salão no tempo do Tratado de Tordesilhas. Um alguém assim perdido no tempo seria barrado na porta e encaminhado a um exame de sanidade mental. Conduta extravagante, portanto, é imitar moda dos antepassados quanto empregar palavras arcaicas e preciosas hoje em dia.
Eis um trecho escrito em 1494 [data do Tratado de Tordesilhas], em cujo meio de palavras está a palavra “suso”, a qual esteve na antepenúltima linha da miniaula passada: “E obrigaram-se que as ditas partes nem alguma delas nem seus sucessores, pera sempre jamais, não irão nem virão contra o que de suso é dito e especificado.” A palavra “suso” significava e ainda significa “acima”. Era antecedida, na época, de diversas palavras negativas.
No trecho suso, ou seja, acima, embora pequeno, há cinco palavras negativas: nem, nem, jamais, não, nem. Nos dias atuais, usos de vocábulos arcaicos, antiquados e desusados tornam incompreensível a comunicação entre os seres humanos, dificultam a leitura dos textos, desviam a precisão dos significados e dispersam a atenção dos leitores.
Palavras arcaicas aparecem até na linguagem de alguns advogados que ainda não sabem ou não querem saber que essas palavras são como insetos mortos espetados em papelão ou em isopor. Eis algumas palavras arcaicas com o significado dentro dos colchetes: manumissão [ alforria legal de um escravo]; amancebar-se [juntar-se em mancebia, amasiar-se]; alvedrio [ vontade própria, arbítrio] e talante [vontade, desejo, empenho, diligência].
E eis algumas para o leitor buscar o significado no dicionário gráfico ou no eletrônico: tuitiva, morgado, regedor, cabecel, fateusim, almotacés, ergástulo, baraço, ateneu, atempar, galardão, estipêndio, solércia, açaimar, grugunzar, prolegômeno, rancora e heréu. Computador sublinha em vermelho tuitiva, morgado, fateusim, baraço, atempar, grugunzar, prolegômeno e heréu. As outras, mais usadas hoje, passam-se como atuais.
Há palavras de falso brilho empregadas em estilo floreado. Estilo floreado, embasado no preciosismo, deve ser evitado. A linha que separa arcaísmos dos preciosismos é muito tênue. Preciosismos são palavras obscuras e de pouco uso. Arcaísmos são palavras fora do tempo. Tanto os usos das palavras preciosas quanto os das palavras arcaicas prejudicam a leitura, a precisão e a clareza das frases e dos textos. Devem ser evitadas. Eis algumas palavras com preciosismos usadas no período final do barroco português: em vez de dizerem abelha diziam arquiteta dos favos, fabricadora de cera e artífice do mel; em vez de dizerem leite diziam cândido alimento, sustento da infância, humor nutritivo e néctar dos peitos; e em vez de dizerem água diziam líquido elemento, fluida planície, estrada móvel, via líquida, vidro sussurrante e pátria dos nadantes. Alguns preciosismos de 1800 vêm no próximo sábado.