“Não direi que somos donos desta terra, a terra é de todos, e, somos todos missioneiros! Respeitamos os povos brancos e um olhar de respeito aos indígenas é tudo o que queremos!” Paráfrase extraída do discurso do Cacique Anildo da aldeia Guarani, Tekoá Pyau, durante uma versão da “Missa da Terra Sem Males”, celebrada no final da tarde de domingo, dia 15, na chegada dos 10 peregrinos que percorreram 748 quilômetros em 29 dias na primeira caminhada pelo Roteiro Turístico Internacional Caminho das Missões.
Os peregrinos iniciaram a caminhada no dia 18 de agosto, em San Ignácio Guazu e seguiram um roteiro que pontua locais, hoje, pertencentes ao território de três países: Uruguai, Argentina e Brasil. Na época das Missões Jesuíticas existiam 30 reduções, sendo sete localizados a leste do Rio Uruguai e também chamadas de “Sete Povos Orientais” (Brasil). As outras 23 se constituíram na margem direita do Rio Uruguai (Argentina e Uruguai).
Nesta caminhada os peregrinos passaram por lugares onde ocorreram fatos históricos, conheceram as ruinas das reduções jesuíticas, áreas rurais onde moram famílias de imigrantes, provaram da gastronomia da região, tiveram contato com hábitos de fé, com as atividades econômicas da área rural e urbana de pequenas cidades em um exercício de força de vontade e desapego.
A última cidade a visitar foi Santo Ângelo, pois esta cidade é a última das reduções fundadas pelos Jesuítas. Na chegada, foram recepcionados por crianças vestidas de anjo, um coral de vozes e pelos moradores da cidade, que vieram participar da Missa da Terra sem Males.
Perdão aos povos originários da América
A Missa da Terra Sem Males é uma expressão poética, musical e reflexiva regida pelo Maestro Martin Coplas e reforça a cultura de compromisso com os povos originários da América do Sul e uma espécie de “pedido de perdão” pelos genocídios e a degradações da Terra ocorridos na fase pré-colonial, colonial e nos tempos contemporâneos.
A missa possui uma narrativa histórica que confronta culturas antagónicas e até paradoxais, ou seja, calcadas em posturas e visões de mundo diferentes, uma delas centrada no indígena, filho da mãe natureza que não percebe a terra como posse, e, uma segunda, fundada na expansão territorial europeia, povo que usou de estratégias variadas para delimitar fronteiras e ter a posse da América do Sul.
Uma das estratégias foi a espanhola, que usou a igreja e os padres Jesuítas para organizar comunidades indígenas mais suscetíveis em absorver os costumes Europeus. Às margens do Rio Uruguai fundaram 30 reduções Jesuítico/Guaranis, um modelo de organização social que resultou em uma espécie de sincretismo cultural calcado, tanto nos paradigmas e modos de vida dos indígenas, quanto, por um sistema educacional que difundia técnicas de escultura, arquitetura, música, fundição de ferro, agropecuária, organização social e valores contidos nos princípios do Catolicismo Cristão.
Embora a experiência tenha proporcionado desenvolvimento econômico e social, os tratados territoriais assinados politicamente pelas coroas portuguesa e espanhola foram causadores de catástrofes humanitárias e a extinção dos Sete Povos das Missões. Durante a chamada Guerra Guaranítica as sete Missões Orientais foram incendiadas e despovoadas (1756). O sítio arqueológico onde encontramos as Ruínas de São Miguel foi tombado pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN) em 1938, e foi declarado Patrimônio Mundial pelo UNESCO em 1983.
Durante a missa Pe. Léo Zeno Konzen reforçou o pedido de perdão pelos atos cometidos. Declarando que a missa “fala pelo que fizemos com os filhas e filhos amados, os povos originários, os índios dessas terras… Dor e indignação pela violência praticada, pela discriminação, pela escravização e, sobretudo, pela destruição violenta das admiráveis reduções aqui organizadas num consórcio harmonioso entre missionários cristãos e populações indígenas.
“Deus quer FALAR-NOS TAMBÉM de sua indignação pelo que fizeram povos que se diziam cristãos, praticando verdadeiros genocídios, com a cruz e a espada na mão…”