Parecer sobre o Projeto “Simplificando a Ortografia”

* Dinalva Agissé Alves de Souza – Mestre em Letras – Linguística Aplicada PUCRS   * Leandro Figueiredo – Professor de Língua Portuguesa e de Língua Espanhola ………...

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* Dinalva Agissé Alves de Souza – Mestre em Letras – Linguística Aplicada PUCRS

 

* Leandro Figueiredo – Professor de Língua Portuguesa e de Língua Espanhola

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O Projeto idealizado pelo professor Ernani Pimentel ganhou espaço no Senado Brasileiro, sendo abraçado pelo Presidente da Comissão de Educação, o Senador Cyro Miranda. A essência do projeto consiste em “criar uma língua portuguesa com um número menor de regras, para facilitar um aprendizado rápido e eficaz”. Para isso, propõe a exclusão da letra H no início das palavras, bem como a substituição do CH pelo X, a eliminação do X com som de Z, entre outros.

Ao analisar a proposta em si, ficamos indignados com tal proposição, considerando que há uma série de assuntos e questões emergentes na nossa sociedade que deveriam ocupar os espaços do Senado, levando em conta que estamos ainda em fase de consolidação de uma reforma essencialmente ortográfica. Isso remete à possibilidade de uma aversão ao Novo Acordo, já assinado e assimilado pela maioria dos brasileiros. Interpretamos a ideia como inviável, a partir das seguintes considerações:

1. A história da escrita da Língua Portuguesa remete a uma herança grega e latina, especialmente, vindo por isso a tornar-se um patrimônio linguístico da população brasileira. Sendo a única língua oficial do país, todo o acervo gerado em termos de escrita foi produzido com base nessa herança linguística, a partir de um conjunto de regras e funções que orientam e padronizam a escrita do idioma.

2. Em se tratando de fala e escrita, é importante ter a clareza de que são fenômenos distintos. Enquanto a escrita é regida por normas, a fala é espontânea, viva, dinâmica e livre. Isso implica que ao dizer, por exemplo, a palavra HOMEM, não podemos querer transmitir para a forma escrita a pronúncia dessa palavra. Querer aproximar fala e escrita, da forma como está sendo sugerida, é desprezar a diferença entre o alfabeto fonético (que representa a fala) e o alfabeto gráfico (que representa a escrita). Isto é, significa tratar as duas questões como se fossem uma coisa única. A verdade que deve ser levada em conta é que “ninguém escreve como fala e ninguém fala como escreve”. Isso por si só torna incoerente a proposta. Ao longo da história do Brasil, o povo se alfabetizou e aprendeu a escrita das palavras, durante sua alfabetização, sem que tenham ficado traumas desse processo.

3. O Brasil, por sua condição geográfica em termos de extensão, possui um acervo escrito de expressiva dimensão. Enciclopédias, livros, leis, documentos, compêndios, imprensa e tudo que está escrito fazem parte do patrimônio do país. A ortografia de todos esses itens segue a normatização da escrita. O registro de toda essa documentação, em havendo uma alteração ortográfica, sofrerá radicalmente os efeitos negativos dessa alteração, ficando obsoletos, desatualizados e inviáveis do ponto de vista da “nova simplificação ortográfica”. Acrescente-se a isso o fato de que todo esse material representa uma vultuosidade econômica, onerando ainda mais os cofres públicos.

Nesse sentido, cabe lembrar o vasto universo de livros que compõe a vida das escolas brasileiras e de tudo o que o governo precisará investir (desembolsando expressiva fortuna) para a atualização do material didático.

4. A tramitação do projeto coincide com o atual momento político do país, quando vivemos um período eleitoral. Isso permite interpretar que a proposta se traduza como uma estratégia para desviar a atenção de fatos contundentes que merecem ser debatidos e questionados justamente nessa época de decisões políticas. Passa a impressão de que foi lançado com o intuito de envolver as pessoas nessa discussão e, assim, desvirtuá-las de outras mais urgentes.

5. Como professores que trabalhamos com a Língua Portuguesa, consideramos a proposta descabida. Não é a troca de uma letra por outra ou sua exclusão que vai facilitar o aprendizado da escrita e da leitura. Fatores de ordem cultural, ideológica e política incidem muito sobre essa tese de simplesmente mudar a ortografia de alguns vocábulos da língua. Se todas as pessoas fossem devidamente orientadas para se tornarem efetivos leitores, o domínio da escrita, independentemente das regras ortográficas, seria facilmente apreendido, passando a ser parte integrante da vida das pessoas. O grau de (an)alfabetismo não está em escrever casa ou caza, mas sim em oportunizar de fato condições de ensino, de aprendizagem, de qualificação e de participação social e política.

6. A proposta denota um desrespeito à própria história da língua e um desmerecimento aos professores e às instituições formadoras, que nem ao menos foram consultados sobre o assunto, constituindo-se como uma imposição, uma arbitrariedade, mesmo que ainda não tenha sido aprovada.

Por essas razões, entre outras, colocamo-nos contra a proposta de simplificação da ortografia, retomando a voz da Doutora em Letras, Nelci Müller, ao dizer que “a língua faz parte da nossa identidade, da nossa cultura e da nossa memória”. Alterar a escrita da língua é alterar sua própria história.

 

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