Com quase 512 anos de história, ainda é difícil expressar em números a identidade indígena no Brasil. Dados oficiais da Fundação Nacional do Índio (Funai) indicam que quase 500 mil índios vivem hoje em todas as regiões do país. Amanhã, 19 de abril, celebra-se o Dia do Índio. No mês de agosto, no dia 9, é o Dia Internacional dos Povos Indígenas. Todavia, o que tem o índio a comemorar?
Segundo relatório das Nações Unidas, 5% da população mundial é indígena. Destes, são mais de cinco etnias diferentes espalhadas por 70 países, mas todos com problemas semelhantes: carência de terras, pobreza, desnutrição, baixa escolaridade, menor acesso a serviços de saúde e preconceito dentro da sociedade onde vivem. Dos aproximadamente quatro milhões de índios que habitavam o Brasil na época da chegada de Cabral, restam hoje mais ou menos 500 mil, sobrevivendo em condições precárias e sob constante ameaça, principalmente dos garimpeiros. Reduzidos demograficamente e sistematicamente sujeitos a pressões crescentes das frentes de expansão econômica que avançam sobre as terras e os recursos naturais, o futuro dos povos indígenas no Brasil é ainda incerto. Hoje, o Brasil possui 225 diferentes povos indígenas que falam o equivalente a 180 idiomas diferentes. Não é diferente por aqui. Nas Missões temos os índios guaranis. E também na região Noroeste, nos municípios de São Valério do Sul e Redentora, existem as reservas indígenas dos caiguangues.
Os caiguangues são um povo indígena meridional, que hoje estão entre os cinco povos indígenas mais populosos do país com 29 mil pessoas, estando concentrados às margens do rio Ijuí, na província de Misiones na Argentina, em Santa Catarina, Paraná e São Paulo. “Durante a Semana Santa, a nossa comunidade deixa a reserva indígena do Inhacorá e se dirige a outros municípios para comercializar os nossos produtos. A situação hoje nas cidades é meio complicada, porque as pessoas deveriam se informar mais sobre a situação do índio e colaborar com o nosso povo. Não importa se uma pessoa se acha mais importante do que a outra, perante Deus nós somos todos iguais”, salienta o índio caigangue Marcos Charque, 33 anos, casado, pai de cinco filhos, dentro da faixa etária de cinco a 13 anos de idade.
De acordo com o indígena, as crianças gostam muito desta época por ter mais tempo para brincar e conhecem culturas diferentes, porém todas vão à Escola Estadual de Educação Indígena da reserva indígena do Inhacorá, em São Valério do Sul, ligada à 21ª Coordenadoria Regional de Educação.
A Escola conta com a parceria do Poder Executivo, do Governo do Estado e da Unijuí, inclusive tendo a participação de projetos de inclusão digital no meio indígena. “É bom para os meus filhos saberem o português e a nossa língua nativa. Embora desconhecida de muitos, é um dos idiomas indígenas mais falados do mundo”, explica Walmirio Suezo, de 61 anos, pai de sete crianças, da faixa etária de 15 a 36 anos, e avô de duas crianças.
Um líder no meio de dezenas de índios instalados no bairro Neri Cavalheiro, o índio Marcos Charque, se mantém com a família e outras comunidades caigangues em modestas barracas de lonas, às margens de um córrego, sem nenhuma infraestrutura, em abrigos improvisados. Ao redor, um fogo de chão, esquentando a água para o chimarrão, alguns animais de companhia como cachorros e galinhas, e alguns móveis dentro de suas “ocas conteporâneas”. Mesmo assim, as crianças se divertem jogando futebol, ajudando os pais a confeccionar cestas e balaios e brincando de ciranda. Brincadeiras infantis dotadas de singelos sorrisos num universo mágico que, embora esquecido, faz dos pequenos indiozinhos seres repletos de esperança, amor e felicidade. “Em nossa aldeia vivem hoje mais de 800 famílias. Aqui estamos entre seis famílias. Fabricamos o nosso artesanato e cultivamos milho, feijão, arroz e batata-doce em nossa comunidade. É adorável ver nossas crianças sorrindo. O mundo lá fora tem muita maldade e isso eles não precisam conhecer. Somos todos evangélicos. Todos temos fé em nosso Deus, frequentamos a Igreja”, explica Marcos Charque.
Pertencente à comunidade indígena de Redentora/RS, Lúcia Vicente, 42 anos, casada, mãe de uma filha, acredita que a situação do índio no meio social teve melhorias por parte da visão da sociedade. “As pessoas não nos olham como antigamente. Hoje existe um pouco mais de respeito por parte das pessoas. O que importa é que possuímos fé em Deus”, coloca.
Da mesma forma, Hana Vicente, de 78 anos, viúva, avó de nove netos, relata que já viveu muita discriminação no meio social e costuma manter medo das grandes cidades, visitando-as por necessidade de lucrar com a venda dos artesanatos, preferindo se manter na comunidade por ter segurança, convívio com os demais índios e por possuir um pedaço de chão para o plantio do sustento da família. “Já sofri muito no passado. Já fui apedrejada. Tratada pior do que um animal nojento. Hoje as coisas mudaram, mas não confio em muitos olhares maldosos dos homens. As nossas crianças têm escola na comunidade e não precisam ser enganadas na cidade por pessoas que não têm Deus no coração”.
Como disse o músico e poeta Renato Russo da Legião Urbana, “Quem me dera, ao menos uma vez, ter de volta todo o ouro que entreguei a quem conseguiu me convencer que era prova de amizade se alguém levasse embora até o que eu não tinha. Quem me dera, ao menos uma vez, esquecer que acreditei que era por brincadeira que se cortava sempre um pano de chão, de linho nobre e pura seda. Quem me dera, ao menos uma vez, explicar o que ninguém consegue entender que o que aconteceu ainda está por vir e o futuro não é mais como era antigamente (…)”.