Só a comédia — além da boa música, é claro — poderá salvar a humanidade. Nenhum credo, nem o amor-da-boca-pra-fora, nem as competições esportivas (atividades saudáveis que quase sempre geram graus exagerados de rivalidade), nem o avanço colossal da ciência, nem a preservação da floresta amazônica, nem os argumentos redentores dos argutos gurus, nem todo o aparato militar dos tiranos que desejam conquistar o mundo, nem os raios tratores dos alienígenas, nem a loucura coletiva, nada disto terá a mesma capacidade que a comédia. O riso poderá cicatrizar feridas, resgatar as almas aprisionadas nos abismos existenciais, recuperar a fé do Homem pelo Homem.
Dentre tantos ensinamentos subliminares do humorismo crítico e inteligente que fazia, Chico Anysio explica que fazer humor é brincar com coisas que, no passado, pareciam dramáticas. “Quando estiver passando por algum momento difícil na vida, dê um tempo, e ria dele…”, ensina o humorista. Espero jamais esquecer esta dica de Chico Anysio, mais um de meus heróis incrustados na memória. Além de atuar como humorista, Chico também escrevia, pintava, compunha e se casava com mulheres. Guardo em local especial da estante o velho e arranhado disco de vinil “Baiano e Os Novos Caetanos”, gravado por Chico e Arnaud Rodrigues nos anos 70. Uma das faixas do bolachão que satirizava Caetano e Os Novos Baianos intitula-se “O urubu tá com raiva do boi”, e conta a estória de um urubu irritado, porque está faminto, mas o boi não quer morrer.
Com a mente em turbilhão (e isto sempre ocorre quando um artista que eu amo morre), faço uma ligação imediata da canção de Chico e Arnaud com a famosa foto do sul africano Kevin Carter, vencedora do Prêmio Pulitzer em 1994. Na foto, à curta distância, um urubu observa, vigia pacientemente uma criança sudanesa que agoniza de fome. Alguém já terá feito piadas a respeito de abutres que devoram crianças? Chico Anysio chamou de piada. Não a foto, mas o fotógrafo.
