O feitio de sapateiro

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Pensa numa bota… Mas uma bota de gaúcho. Feita pra lida do campo, atravessar banhado sem molhar os pés e aguentar quilômetros no lombo do cavalo. Não sei se esta bota existe, afinal, não ando a cavalo e minha lida é o jornalismo, mas os gaúchos mais tradicionais ainda preferem adquirir botas, alpargatas, guaiacas, bainha de faca e até barbicacho de chapéu produzidos artesanalmente.

 

“O feitio de sapateiro não pode ser comparado ao feitio industrial”. Palavras de Jorge Oliveira Silva, 39 anos de profissão e quase uma vida de observação na produção de acessórios da indumentária gaúcha, pois, o pai do sapateiro, Maurílio José da Silva, já fabricava chinelos campeiros no interior de São Miguel das Missões na década de 70. Naquele tempo comprava o couro no Curtume Basso em Santo Ângelo e levava para o interior, onde seus calçados já ganhavam o gosto da peonada.

Mas por qual motivo o feitio de sapateiro não tem comparação? Perguntei ao artesão.

A bota com o feitio de sapateiro é feita sob medida, portanto, se ajusta melhor ao pé do dono. “Esta bota tem mais durabilidade porque usamos couro de primeira linha, além disso, o couro é a base de todo o corpo da bota, do solado ao contraforte”. Até o forro, se o dono quiser pode ser de couro, porém, fica um pouco mais pesada e a maioria prefere uma bota forrada com outro tecido.

“Pega aqui! Sente o peso desta bota, olha esta outra que é feita na fábrica, contraforte de “tubox” e outro tipo de solado”. Uma bota feita na linha de produção de uma grande fábrica segue os princípios da escala de produção, ou seja, visa produzir mais em menos tempo e com o menor custo possível, deste modo, deve sustentar a distribuição e lucro dos revendedores e lojistas. Mesmo que seja um produto de bom aproveitamento, não pode ser comparado ao produto feito no princípio artesanal.

Mas que tal? Até o solado é de couro, na minha ignorância pensei que era de borracha ou coisa parecida. Mas que couro é este? Por acaso temos um especialista no assunto aqui na redação, o Amauri Lírio, não é que “home” deu uma aula de processo químico. Trabalhou anos no Curtume Basso e tem vários cursos de curtimento no currículo.

Para não me alongar na “prosa”, resumo o que ele disse. Não é regra, mas o couro usado nas solas dos sapatos e botas são obtidos com couro curtido ao tanino, uma substância feita da casca da acácia, em geral este tipo de processo deixa o material mais armado e propício para usos como estes. O couro também pode ser curtido ao Cromo, uma substância química que permite a obtenção de couros mais macios, enfim, os produtos químicos e as ações mecânicas definem as propriedades de cada couro e suas possíveis finalidades, mas todo e qualquer processo é feito para preservar o material e ficar semelhante ao couro bicho, enquanto vivo.

Quem precisa de um calçado sob medida recorre à experiência de Jorge, ele conta que possui clientes que vem de outras cidades e até de fora do estado, um deles é mato-grossense e calça 54, além das dotas e dos caprichos dos gaúchos mais tradicionais existe também a necessidade de quem precisa contar com um calçado sob medida, só obtido pelo feito artesanal.

Além das botas ele faz bainha de faca, consertos em bolças de couro sandálias, e sustenta a profissão, cada vez mais escassa em nossos dias, afinal, enquanto houver alguém que precisa ou prefira um calçado sob medida haverá espaço para a profissão que hoje também sustenta os filhos Gabriel e Rafael, ambos trabalham na sapataria do pai.

 

Reportagem e edição: Marcos Demeneghi

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