Povo cigano busca visibilidade e reparação histórica na VII Conferência Estadual de Direitos Humanos em Porto Alegre

Nos dias 25 e 26 de outubro, Porto Alegre se tornará o centro dos debates sobre cidadania, equidade e justiça social durante a VII Conferência Estadual de Direitos...

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Nos dias 25 e 26 de outubro, Porto Alegre se tornará o centro dos debates sobre cidadania, equidade e justiça social durante a VII Conferência Estadual de Direitos Humanos, que reunirá movimentos sociais, conselhos, lideranças populares e representantes de comunidades tradicionais de todo o Rio Grande do Sul. Entre os grupos presentes, o povo cigano — ou romani — ocupará um lugar de destaque, levando ao evento suas demandas históricas por reconhecimento, respeito e reparação.

Representando Santo Ângelo e a região das Missões, estarão Alberto Ivanof e Lara Miguel, ciganos Rom de Santo Ângelo e Telismar Lemos Junior, conselheiro da Associação dos Ciganos Itinerantes do Rio Grande do Sul (ACIRS), seccional Santo Ângelo. Eles integram a delegação que participará dos painéis e grupos de trabalho da conferência, com o objetivo de fazer ecoar as vozes de um povo que há séculos resiste à invisibilidade e ao preconceito.

Identidade e resistência: a luta por reconhecimento

Embora o Brasil reconheça oficialmente os povos ciganos como parte da diversidade étnica nacional, a falta de políticas públicas específicas e de dados oficiais ainda mantém essa população em uma espécie de “apagamento institucional”. Estima-se que existam mais de 800 mil ciganos no país, mas o número é incerto — justamente porque o IBGE só passou a incluir perguntas sobre pertencimento cigano no Censo a partir de 2022.

“Ser cigano é carregar uma história marcada pela resistência. Fomos perseguidos, expulsos de territórios, invisibilizados na escola e nos serviços públicos. Hoje, queremos que o Estado reconheça que temos cultura, religião, costumes e direitos como qualquer outro cidadão”, afirma Alberto Ivanof, que representa a comunidade Rom de Santo Ângelo.

A presença de lideranças ciganas na conferência é vista como um marco simbólico e político. É a oportunidade de transformar a luta cotidiana em pautas institucionais, apresentadas em um dos principais fóruns de direitos humanos do estado.

Combate ao preconceito e à invisibilidade social

Um dos temas centrais levados pelo grupo missioneiro é o combate à invisibilidade social e ao preconceito. Segundo as lideranças, o estigma associado ao povo cigano ainda é uma das principais barreiras à inclusão.

“A discriminação começa cedo, muitas vezes dentro da escola. A criança cigana é tratada como diferente, e isso gera exclusão. Precisamos de uma educação que valorize nossa cultura e ensine as novas gerações a respeitar a diversidade”, defende Lara Miguel, que planeja mapear e atua na articulação cultural e educacional das comunidades Rom.

Ela explica que o preconceito estrutural também se manifesta em serviços públicos: “Muitas famílias enfrentam dificuldades para acessar saúde, moradia e programas sociais porque não se enquadram em modelos fixos de residência ou documentação. O Estado precisa entender nossas especificidades culturais e de mobilidade”.

Reparação histórica e políticas públicas inclusivas

A delegação de Santo Ângelo reforçará na conferência a necessidade de reparação histórica e justiça social, com políticas voltadas especificamente às comunidades ciganas. Entre as principais reivindicações estão:

  • Aprovação do Estatuto dos Povos Ciganos (PL 1387/2022), que busca garantir igualdade de oportunidades, respeito à diversidade cultural e o pleno exercício da cidadania.
  • Inclusão em políticas públicas de educação, saúde, moradia e trabalho, considerando o modo de vida itinerante e as tradições de cada clã.
  • Criação de programas de formação para servidores públicos, professores e profissionais de saúde sobre a cultura cigana, a fim de reduzir o preconceito institucional.
  • Acesso à justiça e reconhecimento das violações históricas, com políticas de reparação e combate ao racismo sistêmico.

“Durante séculos o Estado fechou os olhos para a existência dos ciganos. A dívida é histórica e precisa ser enfrentada. E nós da Associação dos Ciganos Itinerantes do RS, defendemos a participação nas decisões, presença nos conselhos, nos fóruns, nas câmaras municipais, onde as políticas são pensadas. Sem a nossa voz, nada muda”, destaca Telismar Lemos Junior.

Cultura, orgulho e pertencimento

Além da luta política, os representantes ciganos também levam à conferência uma mensagem de valorização cultural. Música, dança, oralidade e espiritualidade compõem um patrimônio imaterial rico, que resiste mesmo diante de séculos de exclusão.

“Ser cigano é ter orgulho da própria história. A nossa cultura é feita de liberdade, solidariedade e fé. Não queremos ser vistos com desconfiança, mas como parte viva da diversidade brasileira”, afirma Lara Miguel.

O grupo missioneiro pretende também propor à Secretaria Estadual da Cultura a ampliação de projetos de registro e difusão da cultura cigana, especialmente nas escolas e espaços públicos, para fortalecer o sentimento de pertencimento entre as novas gerações.

Um novo capítulo na luta por direitos

A presença dos ciganos na VII Conferência Estadual de Direitos Humanos simboliza um novo capítulo na busca por reconhecimento e igualdade. Ao lado de movimentos indígenas, quilombolas, negros, povos de terreira, LGBTQIA+ e outros grupos historicamente marginalizados, os romani reafirmam que a democracia plena só será possível quando a diversidade for reconhecida e respeitada em sua totalidade.

“Não queremos privilégios, queremos direitos. Queremos viver sem medo, com dignidade e respeito. Essa conferência é mais uma etapa da nossa caminhada, que começou há séculos e que não vai parar”, conclui Alberto Ivanof.

Enquanto Porto Alegre sedia os debates e deliberações da conferência, a mensagem dos ciganos ecoa além das fronteiras: é tempo de tornar visível quem sempre esteve presente, mas raramente foi ouvido. Recentemente Lara Migue e Alberto Ivanof participaram da 5ª Conferência Nacional de Promoção da Igualdade Racial (Conapir), que ocorreu em Brasília. Agora, munidos de informação e empoderamento, justificam a participação na VII Conferência Estadual de Direitos Humanos.

Por Telismar Lemos Jr

Jornalista MTPS: 0018819/RS

 

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O povo cigano no Brasil

  • População estimada: cerca de 800 mil pessoas, distribuídas em todos os estados brasileiros.
  • Grupos principais: Kalons, Rom e Sinti, cada qual com língua, tradições e formas de organização próprias.
  • Reconhecimento oficial: o Dia Nacional do Povo Cigano é celebrado em 24 de maio, instituído pelo Decreto Federal nº 6.040/2007.
  • Em Santo Ângelo, o dia 24 de maio é o Dia Municipal do Povo Cigano, instituído pela Lei Ordinária nº 4.753, de 2024, de autoria do ex-vereador professor Corazza.
  • Principais desafios: falta de dados oficiais, preconceito histórico, exclusão educacional e dificuldade de acesso a políticas públicas.
  • Em tramitação: Projeto de Lei 1387/2022, que cria o Estatuto dos Povos Ciganos, em análise no Congresso Nacional.

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